Professor catedrático da escola politécnica do RJ, Ferdinando Labouriau assinou artigo em 1928 com previsões para o ano 2000.
“Firme como o Pão de Assucar – Sul América, a maior Cia de Seguros de Vida da América do Sul.”
Com a foto do famoso morro carioca, tendo em cima a casinhola que atendia o incipiente bondinho inaugurado quinze anos antes, a propaganda constava na primeiríssima edição da revista O Cruzeiro, no dia 10 de novembro de 1928.
Algumas páginas adiante vinha um artigo assinado por F. Labouriau, com “Uma visão do anno 2000”.
Seu autor, Ferdinando Labouriau, era, então, uma figura conhecida nacionalmente. Engenheiro de brilhantismo inigualável.
Labouriau se propôs no texto a fazer uma previsão de como seria o ano 2000. A missão, que pode parecer ingrata para alguns, foi certeira para ele.
Engenheiro apaixonado, ele focou sua análise no aproveitamento das forças hidráulicas, prevendo a importância das hidroelétricas.
Estimando a população brasileira com 200 milhões de pessoas (atingimos essa marca em 2013, e na época do artigo tínhamos pouco mais de 30 milhões de habitantes), Labouriau prevê que no ano 2000 a luta do homem para o progresso passaria a ser travada especialmente nos laboratórios de pesquisa.
O engenheiro afirmava que em 2000 a vida iria mudar completamente.
“Melhor? Pior? – É difícil sabê-lo. Mas, seguramente, é diferente.”
E explica que:
“É a era da eletricidade.”
E eis que surge a mais notável das previsões. Vejamos com atenção como ele se transporta para o ano 2000 e conta, no distante ano de 1928, como será o próximo século:
“As viagens e os próprios passeios diminuíram muito, desde que, sem sair de casa, pode-se ver o que há em qualquer parte da Terra: a televisão, juntada à telefonia, modificou radicalmente os hábitos.
Não há necessidade de sair para fazer compras: vê-se, escolhe-se, encomenda-se tudo pelo telefone-televisor automático.
Não há mais necessidade de viajar, para ver terras longínquas: é só ligar o receptor, e visita-se, comodamente, qualquer museu, ou qualquer país.”
A finalizar seu premonitório artigo*, no qual estão desenhadas as origens dos nossos hoje tão comuns celulares com internet, Ferdinando Labouriau se pergunta se é um “sonho”?
Ele mesmo responde que “sim”, e completa:
“Mas o sonho de hoje poderá ser, amanhã, realidade.”
- Inacreditável
A previsão de Labouriau é absolutamente fantástica. E se não pelos motivos óbvios, ela é inacreditável pelo fato de que a televisão mal tinha sido inventada em 1928.
Com efeito, o primeiro sistema de televisor analógico foi demonstrado por John Logie Baird em 26 de janeiro de 1926.
E foi só em 1928, ano da publicação do artigo, que imagens em movimento foram transmitidas de um lugar a outro. Ou seja, supor a então onírica junção da telefonia (que mal e mal existia no Brasil) com um aparelho que acabava de ser inventado n’outro canto do mundo, como o televisor, era algo inimaginável.
Impensável para nós, mas não talvez para um engenheiro como Ferdinando Labouriau, cuja existência, desde os primeiros anos, indicava a genialidade.
Mas então, pergunta o leitor, por que nunca ouvi falar dele?
E a resposta vem com a notícia de uma tragédia.
- Acidente trágico
Vinte e três dias, repita-se, apenas vinte e três dias depois de ver publicado o artigo na revista O Cruzeiro, Fernando Labouriau, com apenas 35 anos de idade, tem seus sonhos soçobrados num acidente aéreo no Rio de Janeiro.
O desastre do hidroavião “Santos Dumont” comoveu os brasileiros.
Era 3 de dezembro de 1928.
Neste dia, o navio que trazia o inventor Santos Dumont iria atracar no Rio de Janeiro.
Para saudá-lo, organizou-se um grande evento. Duas aeronaves iriam sobrevoar o navio dando boas-vindas ao grande brasileiro que morava na França.
A embarcação que o trazia era o “Cap Arcona”, considerado um dos mais belos e luxuosos navios da época, bem como o quarto maior da potente marinha mercante alemã. A título de curiosidade, o transporte pertencia à empresa Hamburg Süd. Em 1940, foi incorporado pela Marinha Alemã e utilizado no Mar Báltico, como um alojamento. Em 1945, passou para o comando da SS e, finalmente, neste mesmo ano, é bombardeado pela força área inglesa. Naquele dia, o navio, no entanto, estava cheio de prisioneiros que haviam sobrevivido aos campos de concentração. O episódio se tornou um dos maiores equívocos na já horrenda guerra. E a história desta tragédia está representada no Museu Cap Arcona, em Neustadt in Holstein.
Pois bem, Santos Dumont vinha na moderna embarcação. As duas aeronaves, ambas do modelo “Dornier Do J”, uma batizada com o nome “Guanabara” e a outra com o próprio nome do inventor, “Santos Dumont”, iriam sobrevoá-la.
Os hidroaviões decolaram da baía de Guanabara.
O erro de um dos pilotos, no entanto, colocou as aeronaves em rota de colisão, obrigando a que efetuassem manobras evasivas.
O hidroavião “Guanabara” escapou ileso, mas justamente, por ironia do destino, a aeronave batizada de “Santos Dumont” fez uma manobra que lhe custaria a perda de sustentação, causando a queda do aparelho diante dos olhos incrédulos dos tripulantes e passageiros do navio, incluindo aí o aviador Santos Dumont.
Todos os 9 passageiros e 5 tripulantes morreram. Entre eles, personalidades importantes na época, como o médico Amaury de Medeiros, o matemático Manuel Amoroso Costa, e o nosso genial engenheiro Ferdinando Labouriau.
Após o acidente, o inventor Santos Dumont mandou suspender todas as festividades e encomendou flores a todos os velórios. Teria dito ainda: “Quantas vidas sacrificadas por minha modesta pessoa!"
Santos Dumont voltou para França. Sua depressão se agravaria ainda mais, dominando-o poucos anos depois.
O acidente, como se disse, comoveu o país. Um incontável número de pessoas compareceu ao enterro de Ferdinando Labouriau, que tinha sido eleito no mês anterior intendente ao Conselho Municipal do Distrito Federal.
- 35 anos de vida
Batizado como Ferdinando Labouriau Filho, o engenheiro nasceu em Niterói/RJ, no dia 2 de março de 1893. Era filho de Ferdinand Eugene Labouriau e Pauline Josephine Isnard Labouriau. Neto de Paul Henrique Labouriau, famoso relojoeiro que, junto com seu sócio, Gondolo, trouxe ao Brasil os famosos relógios Patek Philippe, no conhecido comércio que possuíam da rua da Quitanda.
Ferdinando fez seus estudos ginasiais no colégio S. José, indo depois para Escola Politécnica do Rio de Janeiro.
Em 1913, é escolhido para viajar com mestres e outros acadêmicos aos EUA no Congresso Internacional de Ithaca, NY.
Forma-se em 1915, tendo sido orador da turma. Nesta faculdade, foi professor substituto da seção de Mineralogia e Metalurgia e, depois, por concurso, passou a ocupar a cátedra de Metalurgia.
Casou-se em fevereiro de 1919, em Petrópolis, com Judith Soares de Gouveia.
Em 1924, é acusado de participar do malfadado movimento revolucionário daquele ano.
Em 5 de julho de 1924, havia irrompido em São Paulo a segunda revolta do ciclo tenentista da década de 1920. Comandados por Isidoro Dias Lopes, os insurretos ocuparam a capital paulista por três semanas.
No RJ, foi montando um esquema para apoiar os paulistas. Protógenes Guimarães deveria assumir o comando do couraçado São Paulo e dar uma salva de artilharia para acionar o levante em diferentes pontos do Distrito Federal. Entretanto, a polícia descobriu a conspiração e prendeu todos.
Nosso engenheiro Ferdinando Labouriau foi acusado de guardar dinamite no fundo de casa, quando se sabia que era a própria tenebrosa polícia fontouresca quem plantava as bombas nos quintais dos adversários. De fato, a chefia de polícia do Distrito Federal estava então entregue ao general Manuel Carneiro da Fontoura, que sabidamente lançava mão de métodos repressivos radicais.
O procurador Criminal da República, dr. Sobral Pinto – que depois se notabilizaria pela advocacia em favor dos direitos humanos – o denunciou e ele foi preso na Casa de Detenção, na ilha das Flores. A geladeira de bernardes, referência ao então presidente Artur Bernardes, durou 11 meses, até que o Supremo Tribunal Federal concedeu o habeas corpus impetrado pelo advogado Targino Ribeiro, que posteriormente chegou a presidir a OAB.
Libertado, passou a integrar as fileiras do Partido Democrático, fazendo conferências, algumas no interior de São Paulo (Botucatu, Lençóis, Duartina, Agudos etc), deixando fortes impressões por onde passava.
Em 28 de outubro de 1928, um mês e pouco antes de morrer, Labouriau foi sufragado nas urnas, eleito intendente municipal pelo 2º distrito.
Três dias antes de embarcar no último avião da existência, ele passara também a dirigir o jornal “O Imparcial”, velho matutino que fora adquirido pelo Partido Democrático.
Na véspera do voo fatídico, conta-se que Ferdinando passara a noite estudando papéis relativos à municipalidade. Quando foi chamado a voar, ainda muito cedo, estaria dormindo com a cabeça recostada sobre a mesa de trabalho.
Sua existência, embora curta, foi altamente profícua. Públicos vários livros e trabalhos, tendo estudado a fundo questão de siderurgia no Brasil. Ele acreditava ainda que só por meio da educação haveria progresso, por isso liderou, na Academia Brasileira de Ciências (ABC) e na Associação Brasileira de Educação (ABE), as campanhas da década de 1920 pela reforma do ensino no Brasil pela instituição de um novo padrão de ensino superior, fundado no modelo universitário e voltado para a pesquisa.
A propósito, em artigo intitulado “Educação e Evolução”, publicado em “O Jornal”, ele chegou a consignar que “somente a instrução ao alcance efetivo de todos poderá fazer com que o nosso progredimento seja real”.
Ah, quanta inteligência aquela manhã de dezembro de 1928 nos privou.
Privou também três filhos pequenos do convívio com o pai: Ivan, Luiz Fernando e Vera.
Ivan é o premiado engenheiro naval Ivan Gouvêa Labouriau.
E o filho do meio, Luiz Fernando Gouvêa Labouriau, foi um dos maiores nomes da botânica nacional.
Confira a história dos aparatos eletrônicos no mundo e no Brasil:
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* O original artigo, que traz a surpreendente previsão, foi republicado em edição de 31 de janeiro de 1931 pela revista O Cruzeiro (ed. 52, p. 17). Em 22 de novembro de 1958, a revista mencionou novamente o artigo, destacando a previsão feita por Labouriau acerca do “telefone-televisor automático” (ed. 6, p. 42). E, por fim, em 1981, o hebdomadário relembra o texto (ed. 32, p. 85).
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